O Planejamento como Instrumento de Gestão Educacional: uma análise histórico-filosófica
Maria Amelia Sabbag Zainko - Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília; professora e pesquisadora do Programa de Mestrado em Educação e diretora-geral da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
No momento em que o planejamento assume tão importante destaque, como um dos elementos essenciais da gestão educacional, é minha pretensão trazer para o debate questões imbricadas com a sua concepção e com a forma como ele foi incorporado ao desenvolvimento educacional. Assim, ao leitor, familiarizado com a utilização do planejamento como instrumento de gestão, convido a efetuar comigo uma incursão pelos caminhos da história e da filosofia, na busca de uma nova maneira de compreendê-lo e, conseqüentemente, introduzi-lo como elemento de reflexão, de organização e de participação na construção da qualidade do processo educacional.
Estabelecendo as bases para a reflexão
Iniciarei partindo do pressuposto de que o planejamento como instrumento racional de controle social tem a sua história passível de ser assimilada numa perspectiva de História da Razão.
Por ser permanentemente manifestação da racionalidade técnica, o planejamento acaba por se constituir fundo e forma da racionalidade do nosso século.
Esta tarefa parece tornar-se um pouco menos árdua, a partir da busca de respaldo na obra de François Châtelet Uma História da Razão (1994). Nesta obra encontrei o eixo norteador de análise e (re)conheci o núcleo de idéias que compõem o quadro de referências necessário para a associação da História do Planejamento à História da Razão.
Em entrevistas concedidas à Émile Noël, Châtelet traça uma história da razão ocidental, partindo de um traço constitutivo do nosso tempo: a racionalidade técnica, a do mundo industrial. (Châtelet, 1994, p. 11).
Na introdução da obra feita por Jean-Toussaint Desanti, este pensador nos convida a um passeio pelos textos de Châtelet que, para ele, mantêm a característica de palavra viva.
Assim nos lembra que Châtelet recusou-se a ser espectador dos acontecimentos, neles interferindo como sujeito que pensa e que, portanto, toma partido e luta. Ainda, segundo Desanti, neste livro Châtelet nos conta algo como uma história da racionalidade, que ainda vivemos, desde as origens gregas, através de suas crises, suas revoluções, suas tensões e também seus impasses, que são, contudo, em cada oportunidade, sempre superadas. Decididamente, esse demônio gosta da luz. Mas, acima de tudo, gosta de dá-la de presente. E era bem com esse espírito que Châtelet amava e praticava a História. Dizem que a
Matemática é a irmã gêmea da Filosofia. A História também, por aquilo que oferece para ser compartilhado: o caminho, o longo percurso, as promessas do futuro que vivem nas pegadas do passado, embora meio desfeitas e parcialmente esquecidas (Châtelet, 1994, p. 9).
Toda rememoração é apropriação, germe do pensamento que se abre para um futuro necessário. (idem, p. 9).
Respondendo à questão de Émile Noël: a razão é inerente ao pensamento ou foi inventada? Châtelet parte da idéia de que se pode falar de uma invenção da razão e busca situar seu raciocínio desde a Grécia antiga com Sócrates, Platão e Aristóteles.
Na sua análise, estabelece a definição de idéia como uma essência. Valendo-se de definição de Spinoza, conceitua essência como aquilo sem o qual uma coisa não seria o que ela é.
(idem, p. 41). Ela é o núcleo a partir do qual podem desenvolver-se múltiplas variações.
Com Platão e sua filosofia, surge a distinção entre essência e aparência, e Châtelet enfatiza que durante o período medieval os filósofos cristãos explicarão que Deus, quando criou o mundo, tinha no seu entendimento, no seu espírito, essências eternas a partir das quais criou o que chamamos hoje .criação., isto é, o mundo das aparências. (idem, p. 49).
Aristóteles, diferentemente de Platão, pensa que não é assim que se deve apresentar as coisas, se o que se quer é uma filosofia ativa, e desenvolve o seu raciocínio na linha de um .empirismo., baseado na máxima de que para aprender é preciso fazer.
Com uma atitude de experimentalista, Aristóteles se inscreve em uma tradição relativamente nova, a dos engenheiros, dos médicos, dos físicos, que se baseiam na experiência para construir os enunciados. Desse ponto de vista, Aristóteles é surpreendentemente moderno. (Châtelet, 1994, p. 50).
A partir de um salto de quase 20 séculos, no tempo, Châtelet vem analisar o diálogo que a filosofia trava com a ciência da natureza, cujos expoentes são Copérnico, Galileu e Descartes.
Sua ênfase recai em Descartes que, com sua teoria do Cogito, provoca uma revolução filosófica que dá sustentação à origem intelectual do mundo moderno.
Suas Meditações Metafísicas estabelece que na origem deste Mundo, que é pensamento puro e matéria pura, há Deus, todo poderoso e benevolente criador do mundo segundo leis simples. (idem, p. 65).
Esta afirmação é peça fundamental para a sustentação da física de Galileu, que considera a matemática como a linguagem da racionalidade integral, de tal sorte que a perfeição divina exige que o próprio Deus escreva em linguagem matemática ao criar o mundo. Na administração do sistema proposto por Galileu, Descartes, que é considerado o Pai da Modernidade continua afirmando de forma bastante clara que a existência de Deus é um dado da luz natural e não da luz sobrenatural. É a razão que demonstra a existência de Deus. (idem, p. 67).
Com a evolução do mundo pelos grandes descobrimentos, com a Reforma, com o impulso das ciências e das técnicas que revolucionaram o tecido social e, conseqüentemente a racionalidade, a filosofia se vê às voltas com novos conceitos políticos.
Nesta nova etapa, surgem os estudos de Maquiavel, Bodin, Hobbes e Locke, que vão desempenhar na história das idéias um importante papel na definição do Estado, nos direitos humanos, no conceito de liberdade, de igualdade e de contrato social.
Com Kant, no século XVIII, considerado o século dos filósofos que se opõem não só aos teólogos, mas também aos metafísicos, vamos reencontrar pessoas que só confiam na experiência, que se interessam pela ciência teórica, pelas técnicas, pela vida cotidiana, pelas transformações dos costumes. (Châtelet, 1994, p. 88), enfim, pessoas mais próximas da realidade. Nesta categoria de filósofos, situam-se Hume, Voltaire e Vico.
Para Kant, na Crítica da Razão Pura, embora para esses três elementos ela tenha fontes de conhecimento a priori que, à primeira vista, parecem ultrapassar os limites da experiência, uma crítica completa nos convence, entretanto, de que todo conhecimento humano começa com intuições, eleva-se até conceitos e termina com idéias. Toda razão, no uso especulativo, nunca pode, com esses elementos, ir além do campo da experiência possível e de que o próprio destino desse poder supremo de conhecer é (...) acompanhar a natureza até naquilo que ela tem de mais íntimo (...) sem nunca sair dos seus limites, fora dos quais só há, para nós, um espaço vazio (idem, p. 98).
Châtelet atribuiu a Kant o título de pensador da modernidade, porque entende que ele é o filósofo que funda o pensamento experimental e, conseqüentemente, o racionalismo crítico.
Ele nos mostra que o pensamento humano deve renunciar à idéia que, no fundo, estava na origem do projeto platônico: construir um saber absoluto. Não existe saber absoluto. Todo saber é relativo à estrutura do homem. (idem, p. 99).
Kant nos assegura que a realidade existe fora do pensamento humano. A coisa em si existe.
A sua afirmação de que só a ciência pode desenvolver enunciados verificáveis e que, portanto, só ela produz enunciados verdadeiros, poderia aproximá-lo do pensamento positivista de
Augusto Comte. Porém, a diferença entre os dois pensadores está no fato de que produzir enunciados verdadeiros não é fornecer a totalidade da verdade.
Por outro lado, a perspectiva de Augusto Comte de que a metafísica morreu, porque a ciência a matou, não é verdadeira, pois mesmo com os progressos científicos, os filósofos e os cientistas continuam desenvolvendo metafísicas ou ontologias.
O projeto kantiano que se desenvolveu no século das Luzes, de tal sorte, a ser ele próprio um Aufklärer, um pensador das luzes como Voltaire, Rousseau, Diderot e d.Alembert, considerados pensadores militantes tem como objetivos, além da fundamentação das ciências experimentais, dar à humanidade um esquema para sua ação.
Ao enunciar esse programa, Kant retoma a idéia de alguns pensadores do século XVIII, que desejariam reunir todos os homens de boa cultura, de boa moral, todos os homens de reflexão e de progresso, em torno de uma perspectiva de salvação, fundada sobre a luta contra o obscurantismo e a miséria. (Châtelet, 1994, p. 106).
Tal perspectiva tinha por objetivo reuni-los em torno de uma outra forma de razão: a razão prática.
Ao esforço e ao pensamento de Kant, impõe-se um outro vulto confrontando filosofia e história: Hegel. Em Hegel, a idéia de progresso intelectual e material, herdada da Idade das Luzes, é radicalizada por um acontecimento maior, a Revolução Francesa. Os governantes e os povos compreendem, à custa do sofrimento, o seu destino histórico. Hegel formaliza esse acontecimento. Tenta construir o saber que torna inteligível o dever da humanidade de organizar o seu presente sob os auspícios da razão (idem, p. 106). Por isso, constitui uma síntese de todo o saber filosófico passado, reunindo em seus textos as descobertas feitas pelo pensamento moderno.
Uma vez que Châtelet continua sua história da razão trazendo para a reflexão a proposta do marxismo, a partir do entendimento de que só há uma ciência, a ciência da história, e um só pressuposto, o homem empírico. (Châtelet, 1994, p. 133), e a idéia do futuro da filosofia calcada em breves análises sobre o pensamento de Nietzsche e Freud, é importante estabelecer um corte para apreciar de forma mais aprofundada o próprio sentido de história e, a partir dele, refletir sobre a história do planejamento no plano da história das idéias.
Para tal, é necessário desde logo trazer à luz a distinção que Hegel faz dos dois significados do termo história.
Ao afirmar que o termo história une o lado objetivo e o lado subjetivo, Hegel estabelece para ela o significado tanto de história rerum gestarum quanto de res gestae. Este termo (res gestae)
refere-se às coisas feitas, ao processo histórico objetivo; aquele (rerum gestarum), ao processo subjetivo, à narração das coisas feitas. (Hegel, 1967, p. 54-55).
Destacando, para efeitos da análise pretendida, duas correntes de pensamento de filósofos modernos como Comte e Hegel o positivismo e o idealismo. Não posso me esquecer que ambas comportam concepções opostas à história, orientadas por modelos também opostos ao conhecimento.
Segundo Cunha (1981), a concepção positivista da ciência da história elaborada em princípios do século XIX, por Humboldt, Fustel de Coulanges, Acton e Ranke entende que a história, no sentido de res gestae, existe objetivamente, em termos ontológicos e gnoseológicos, como uma estrutura dada de uma vez por todas. O expoente máximo da concepção positiva, Ranke, reagindo contra a história moralizante que imperava nas primeiras décadas do século passado, defendia que o historiador deveria mostrar o sucedido como efetivamente sucedeu uma expressão tomada como lema por toda uma escola. Mas, sem se libertar de uma referência teológica, acreditava que a Divina Providência cuidaria do significado da história se ela cuidasse dos fatos (como efetivamente ocorreram). Na mesma direção, Acton orientava os colaboradores da primeira Cambridge Modern History para que sua narração da batalha de Waterloo fosse de tal forma objetiva que satisfizesse a ingleses, franceses, alemães e holandeses (Carr, 1976).
Essa concepção de cunho mecanicista coloca o objetivo do conhecimento (a história como res gestae) como um produto pronto e acabado que atua sobre o sujeito/historiador, imprimindo sua cópia fiel, só perturbada pelas diferenças individuais ou genéticas.
A sociedade, cuja história se procura elaborar, é vista como um todo harmonioso do qual se afasta toda negatividade, a não ser como desvio.
O verdadeiro sentido do termo positivo, utilizado por Augusto Comte para denominar essa corrente de pensamento, está na oposição às perigosas teorias negativas, críticas, destrutivas, dissolventes, subversivas, em uma palavra revolucionárias da filosofia das Luzes, da Revolução Francesa e do Socialismo. (Lowy, 1975).
Nessa concepção de história, o papel do historiador resume-se ao de um colecionador de fatos. A história (como história rerum gestarum) nasceria espontaneamente da colheita e da ordenação de um número suficiente de fatos bem documentados.
Para Renato Janine Ribeiro (apud Ghiraldelli Júnior, 1994, p. 22), termina no século XVIII uma idéia de história enquanto elenco de exemplos.
A história exemplar, de acordo com ele, é o alimento da reflexão sobre as paixões, reflexão que tem na corte, seu melhor laboratório. É a história que não se importa se sucedeu o fato narrado mas, importa-se sim, se dele pode extrair uma regularidade importante para o conhecimento do homem, ou uma lição significativa para nossa conduta.
Essa idéia de história lembra ele, perde terreno quando os historiadores não somente passam a adotar o trabalho de pesquisa rigorosa, com preocupação com as fontes, mas principalmente, quando o homem passa a ser considerado historicamente, isto é, passível de mudanças .e que na definição de acontecimento se considere o estar marcado pela mudança, pela novidade. (Ribeiro, 1993,
apud Ghiraldelli Júnior, 1994).
Planejamento, manifestaçãoda racionalidade instrumental
A associação pretendida não pode prescindir da visão de Nietzsche, cujas justificações teóricas marcam verdadeiramente a transição entre razão clássica e a situação na qual nos encontramos.
A relação da ciência e da técnica, hoje, não é a mesma que aquela que existia no tempo de Descartes. No tempo de Descartes, os progressos foram tão fulgurantes que se podia pensar que a técnica era sempre benéfica e que o domínio da natureza não tardaria. Ora, nosso século revelou (...) que a ciência está cada vez mais submetida às exigências técnicas e que isso se reflete na sua capacidade de invenção (Châtelet, 1994, p. 151).
Na linha de pensamento que venho desenvolvendo, uma história do planejamento da educação orientada pelo positivismo apenas daria continuidade ao que fizeram Betty Mindlin Lafer (1970), que colecionou artigos sobre a história do planejamento no Brasil, ou Robert Dalland (1968) que, a partir dos documentos disponíveis, analisou de forma fragmentada a estratégia e o estilo do planejamento brasileiro.
Numa concepção oposta ao modelo mecanicista do positivismo, o idealismo defende um papel ativo para o sujeito que conhece, o qual percebe o objeto do conhecimento como sua produção. Neste modelo ativista, o objeto do conhecimento tende a desaparecer, ao mesmo tempo em que o sujeito que conhece cria, no processo de conhecimento, a realidade.
Na análise em pauta, a história do planejamento partiria de um modelo idealizado de planejamento, modelo este situado no passado, no futuro ou mesmo no presente.
No pensamento sobre o planejamento no Brasil, há importantes estudos dentre os quais se destacam os de Ianni, Baia Horta, Calazans, Cardoso e Pereira que, não obstante abordarem paradigmas de valor, têm sido insuficientes para aclarar questões imbricadas à própria evolução desse processo de controle social.
Embora seja perceptível uma certa sensibilidade pela História, por parte dos que se dedicam a estudar os fenômenos educacionais, assim como a evolução dos acontecimentos na área da formulação dos planos e da política educacional, as dificuldades relacionadas com a documentação, fontes, historiografia e arquivos históricos em condições de pleno uso, trazem empecilhos para o conhecimento e o conseqüente enfrentamento dos problemas próprios de uma formação social.
É com Adam Schaff (1977), em História e Verdade, que vamos ter uma visão de Hegel como o precursor do presentismo e de Benedetto Croce como o pai dessa nova concepção: O que em Hegel não é mais do que idéias deixadas em esboço, sem laços de coerência com a totalidade da sua obra, torna-se em Croce um sistema coerente de reflexões idealistas sobre a história, fazendo deste filósofo o pai espiritual do presentismo inteiramente baseado na tese de que a história é o pensamento contemporâneo projetado no passado (Schaff, 1977, p. 103).
Para Croce, a história (enquanto res gestae) é história do espírito, o qual se faz transparente a si mesmo como pensamento na história (enquanto história rerum gestarum). Um fato é histórico quando é pensado, pois nada existe fora do pensamento. Por outro lado, fato não-histórico seria um fato não pensado, logo inexistente.
Além do pensamento não há coisa alguma: o objeto natural torna-se um mito quando afirmado como objeto (Croce, 1920).
Assim concebida, não se poderia dizer que existe uma história, mas várias, tantas quantas forem os espíritos que as criam.
Não só cada época teria sua própria visão da história sua própria história como cada nação, cada classe social, cada historiador.
Dessa maneira, uma história do planejamento da educação elaborada com base na concepção idealista ou de acordo com a concepção positivista não atenderia às exigências do trabalho científico. Porque, segundo Cunha (1981), os idealistas, desprezando a força da realidade, privilegiam o papel do historiador na confirmação do passado e, os positivistas, por sua vez, empenhados em dissimular as contradições sociais e em elidir o papel do pensamento como força social (no fundo, esconder a própria luta de classes) tentam impor ao historiador uma visão unilateral dos fatos, o que, paradoxalmente, não deixa de ter um conteúdo idealista. Não se trata, pois, de rejeitá-los ou, mesmo de tentar conciliá-los, mas de superá-los, incorporando seus elementos válidos numa síntese dialética. Para isso, é preciso reconhecer a procedência da colocação dos positivistas quanto à existência objetiva do processo histórico (história como res gestae) independente do historiador; ao mesmo tempo, é preciso reconhecer a procedência dos argumentos que os presentistas levantam contra os positivistas, mostrando o caráter ativo e interessado de todo historiador, de sua inevitável tomada de partido na elaboração da ciência da história (história rerum gestarum). (Cunha, 1981, p. 38).
Schaff, em vez de privilegiar um dos termos da relação cognoscitiva, o objeto, consoante o positivismo, ou o sujeito, segundo o idealismo, propõe estabelecer, como princípio, sua interação: tanto o sujeito, quanto o objeto têm existência objetiva e real, atuando um sobre o outro.
A partir dessa constatação, nada mais natural que, apoiado em Marx. (Tese VI contra Feuerbach) que concebe o homem como o conjunto das relações sociais e a atividade do sujeito enquanto atividade prática de transformação da realidade apreendida, Schaff enfatiza o conhecimento como momento da práxis humana que supera a sua visão como atividade contemplativa ou como ficção especulativa.
É, portanto, no materialismo histórico dialético, que entende possível ultrapassar as concepções positivista e idealista, ressaltando que o homem faz história nas condições dadas pela História, sendo livre e criativo mas, ao mesmo tempo, enraizado, que pretendo centrar a minha análise, considerando a relação dialética entre sujeito e objeto no processo de conhecimento.
Dessa maneira, o historiador não parte propriamente dos fatos e sim de materiais históricos, fontes, com a ajuda dos quais constrói os fatos históricos.
Se ele os constrói, os fatos históricos, mais do que ponto de partida, são resultado de um processo. Nesse processo de produção do conhecimento, o sujeito assume um papel ativo, ao considerar os dados da realidade concreta, onde intervêm não só sua subjetividade mas, principalmente, as determinações sociais.
A questão da objetividade do conhecimento, da sua verdade, fica contida, na perspectiva marxista, na questão de que todo conhecimento não é, na verdade, um conhecimento individual e sim de classe. Portanto, conhecimento interessado e, de alguma forma, coletivo.
A análise do planejamento como ação humana, com o compromisso de vir a se constituir um movimento dialético entre teoria e prática, possibilitando ao educador discernir que meios não são fins em si mesmos, deve auxiliar na compreensão do papel que o planejamento deve desempenhar na Modernidade: época por excelência da racionalidade técnica, ou da razão instrumental, de tal sorte que o planejador, ao planejar, tenha claro que: ... não pretende deter a marcha do processo, a pretexto de conduzi-lo. Ao afirmar o futuro, ao antecipar o acontecer, a forma crítica de planejar tem em conta o concurso da liberdade, e sabe que lhe compete utilizar as oportunidades originais e os aspectos imprevisíveis surgidos com a execução do próprio plano. Mesmo acreditando que o plano contém uma certa prefiguração do futuro e não poupando esforços para realizá-lo conforme deseja, sabe que tanto o plano quanto os esforços para implantá-lo são outros tantos dados que se incorporam ao processo (Horta, 1987, p. 218).
O planejamento, como processo social, e como tal em estreita conexão com a política, requer para sua melhor explicitação ser compreendido no contexto de uma Sociologia do
Planejamento, tão bem formulada por Luiz Pereira. Assim é ele que nos assegura que as categorias chaves da sociologia são as de estrutura social e processo social. Como se sabe, as duas noções são complementares: aquela, apanha a configuração da práxis coletiva; esta, a própria práxis como totalidade em ato. Jogando com ambas, a práxis coletiva determina-se como estruturação, desestruturação, reestruturação. Nestes termos, a noção de estrutura apanha a práxis respectiva, ou processo de reatualização de uma configuração estrutural prévia; e a noção de processo desdobra-se, então, nas de processo não-inovador e de processo inovador. Em outras palavras, em termos esquemáticos e polares, no primeiro caso temos o homem inserido na práxis repetitiva; no segundo temos o homem inserido na práxis inovadora. Isso equivale a ter o homem como ator ou objeto, como autor ou sujeito da história (Pereira, 1970, p. 12).
O planejamento, como controle inovador, caracteriza- se como processo instrumental de fazer história, decorrente de opções conscientes por determinado caminho, dentre os possíveis que se apresentam no momento histórico. Isto significa dizer que o planejamento, como uma das configurações da práxis inovadora, exprime as determinações essenciais do tipo macroestrutural histórico em que ocorre (capitalista e socialista). Em outras palavras, ele sempre é processo de desenvolvimento do tipo e não de implantação histórica deste ou de implantação de uma das etapas de seu desenvolvimento. Em suma, planejamento não é política, que no limite consiste na práxis inovadora máxima (idem, p. 17).
O que equivale a dizer que ele pode implementar racionalmente uma política, mas é incapaz de assumir seu lugar, exceto ideologicamente.
Retomando a idéia de que o planejamento é a exploração consciente de um dos possíveis históricos, o movimento para apresentá-lo como política espaço praxístico onde se realiza... a negociação de etapas de um tipo macroestrutural histórico e sua substituição por outra e, mais ainda a negação de um tipo e sua substituição por outro é quase que lógico: a sociedade, tomada como um sistema em evolução, exige como correlato na política tão-somente uma técnica social aplicada que cuida para que a evolução prossiga em direção a seu fim. (Gallo, 1995, p. 104).
A ação planejada, quando realizada dentro da perspectiva anterior, como vem ocorrendo historicamente, coloca em evidência a alienação do poder político, característica do Estado moderno, com a sociedade civil, distanciando-se progressivamente do exercício efetivo da soberania, sendo as decisões cada vez mais tomadas em seu nome.
Como conseqüência, há uma autonomização das esferas decisórias, com a sociedade servindo às instituições, ampliando a heteronomia social, a legislação ou regulação pelo discurso do Outro, um discurso estranho que está em mim e me domina: fala por mim... um imaginário vivido como mais real que o real, ainda que não sabido como tal, precisamente porque não sabido como tal. (Castoríadis, 1975, p. 124, apud Gallo, 1995).
Neste quadro de referências, o planejamento da educação no Brasil, ou seja, o processo social de formulação de políticas públicas, como manifestação da racionalidade instrumental, tem-se constituído mais um instrumento da burocracia estatal que, ao invés de apresentar alternativas para o problema educacional, agudizou-o, à medida que se estigmatizou como exercício tecnocrático distante da realidade social em que se localizam os problemas que demandam solução.
Isto remete à reflexão sobre a eficácia do planejamento como instrumento de formulação de políticas públicas, principalmente porque um plano de educação compromissado com a transformação do real deveria ter como propósito: Uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático de ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos Jardins de Infância à Universidade, não à receptividade, mas à atividade criadora do aluno. (Horta, 1982, p. 20-21).
No estudo da história do planejamento, é fundamental não apenas descrever ações desenvolvidas e imediatamente percebidas, mas também procurar compreender as razões históricas que as determinaram, contribuindo assim para a inserção do planejamento como processo de formulação de políticas públicas (ele próprio como um elemento constitutivo da Modernidade) no amplo campo de horizontes possíveis que nos são dados pela utopia da Pós-Modernidade.
Planejamento no Brasil, sua história, sua prática
A exigência do planejamento como instrumento racionalizador do desenvolvimento do ensino brasileiro ganha força extraordinária a partir da década de 60, inclusive no âmbito do ensino superior, com o advento da Reforma Universitária de 1968 e da aceitação geral de que a universidade brasileira, bem como as instituições de ensino, especialmente as públicas devem, neste final de século, incorporar aos seus desempenhos critérios como produtividade, eficiência e eficácia.
No contexto de uma análise histórico-sociológica, o debate sobre a possibilidade teórica do planejamento, data da década de 20, mesmo nos países mais avançados.
Segundo Lafer (1970, p. 7), o planejamento nada mais é do que um modelo teórico para a ação: propõe-se a organizar o sistema econômico, a partir de certas hipóteses sobre a realidade.
Naturalmente, cada experiência de planejamento se afasta de sua formulação teórica e o que é interessante na análise dos planos é justamente separar a história do modelo previsto.
Tendo surgido como instrumento do desenvolvimento econômico, o planejamento no Brasil também acompanhou a tendência mundial.
A partir da década de 40, várias foram as tentativas de coordenar, controlar e planejar a economia brasileira. (Lafer, 1970, p. 18), mas configuraram-se com propostas: o Relatório Simonsen (1944-1945); como diagnósticos: a Missão Cooke (1942-1943), a Missão Abbink (1948), a Comissão Mista Brasil-EUA (1951-1953); como esforços no sentido de racionalizar o processo orçamentário: o Plano Salte (1948); como medidas puramente setoriais, o caso do petróleo ou do café. Todas estas experiências não se enquadravam na noção de planejamento, propriamente dita.
O período 1956-1961, no entanto, deve ser interpretado de maneira diferente, pois, o plano de metas, pela complexidade de suas formulações quando comparado com essas tentativas anteriores e pela profundidade de seu impacto, pode ser considerado como a primeira experiência efetivamente posta em prática de planejamento governamental no Brasil (Lafer, 1970, p. 30).
Sendo também este o plano que, pela primeira vez no País, introduz formalmente a educação como um dos setores prioritários para o desenvolvimento econômico, convém relembrar que, já em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova acenava para a necessidade de um plano de educação. 1 As idéias aqui contidas encontram-se mais detalhadas em Zainko (1998).
Na constituição de 1934, é estruturado um capítulo sobre a Educação e mantida a idéia de plano de educação, ainda que a sua concepção estivesse atrelada à de diretrizes.
Encarregado de elaborar o Plano, o Conselho Nacional de Educação o faz em 1937, sob a forma de lei, encaminhando-o ao Congresso Nacional, em maio daquele ano.
O Golpe de Estado de 1937 não permite a sua discussão e, na seqüência, o Ato Adicional não faz menção a planos de educação.
Segundo Ribeiro, a opção pelo rápido desenvolvimento exigiu do presidente Juscelino Kubstcheck acenar com a prioridade para a educação, porque era preciso ampliar o sistema educacional no País, para colocá-lo a serviço do desenvolvimento.
Se o desenvolvimento econômico é a meta suprema que orienta o Governo e se esse desenvolvimento é entendido como progresso, emancipação econômica, despauperização, superação do atraso e alcance de prosperidade, faz-se necessária uma educação que privilegie a especialização e a técnica, na medida em que qualifique o povo para este novo tipo de sociedade (Ribeiro, 1989, p. 38).
Ao exigir maior produtividade da força de trabalho, o modo de produção capitalista valoriza a escola e a educação, pois, é por meio da formação de recursos humanos que se pode, de forma eficaz, aumentar os ganhos e a produtividade.
Neste sentido, o Governo JK assegurou, no Plano de Metas 1956-1961, a Meta 30, voltada para uma educação comprometida com a formação de pessoal técnico, necessária ao processo de crescimento acelerado do País.
A pretensa valorização do homem garantida por uma educação atrelada à idéia do treinamento para maior qualificação do capital humano certamente não era a pretendida pela população, que aspirava à universalização do ensino primário.
No período de Jânio Quadros, a educação ganha novos contornos, pois ao lado da intenção de manter a fase acelerada do desenvolvimento industrial, como requisito para o crescimento econômico do País, no plano educacional, a preocupação fundamental era com a elevação cultural de todo o povo. Ao lado da formação técnica para o trabalho, a educação, como formação e caminho para a maior politização da população.
Com a renúncia de Jânio Quadros, inicia-se o Governo João Goulart, no qual conviveram duas tendências no que diz respeito (...) à educação e ao ensino. Uma delas, a contida no Plano Nacional de Educação (...), estabelecia as diretrizes e bases da educação nacional. Outra, a que refletia a posição ideológica do governo, ambas consubstanciadas no Programa de Emergência do MEC para 1962 e no Plano Trienal 1963-1965 (Ribeiro, 1989, p. 40).
No Plano Trienal, a Educação é tratada como pré-investimento para aperfeiçoamento do fator humano, devendo constituirse um direito de todos. Está inserida no processo de desenvolvimento da Nação e, como parte dele, não apenas se ajusta, mas interfere nas ações, e sofre influências, em especial, as de ordem política.
Na visão de Horta (1982), as diretrizes do Plano Trienal, no que tange especificamente ao ensino superior, reportaram-se à ampliação das matrículas e diversificação dos cursos, não quantificando esta ampliação, na forma de metas. Indicavam medidas no sentido de criar programas específicos para as áreas de medicina, engenharia e filosofia, com vistas à expansão e melhoria dos cursos de graduação, à criação de cursos de pós-graduação e à formação de pesquisadores.
Ao lado dessa ampliação do conceito de educação e da certeza da sua importância para o processo de desenvolvimento econômico, nascia a consciência da necessidade de se planejar a educação em articulação com o planejamento econômico e social global, não só como forma de vincular a preparação de mão-de-obra ao crescimento econômico, como também uma forma de preparar o povo para a aceitação das reformas institucionais de bases pretendidas (Ribeiro, 1989, p. 40).
Com a influência tecnocrática apontando ao poder, a necessidade de racionalização social, econômica e política, e a educação considerada como um instrumento eficaz de difusão ideológica era natural que ela fosse vista como um setor a ser planejado.
O Plano Nacional de Educação respondia a essa exigência, principalmente, no que concerne à racionalização das políticas, porém, a sua formulação em nada se diferenciava de um programa de distribuição de recursos financeiros aos três graus de ensino, o que inviabilizava a sua execução como plano.
É ainda, Ribeiro (1989, p. 42) quem assegura que, na sociedade brasileira, sobretudo no período de 1964 a 1970 (...), os interesses das classes no poder estavam intimamente associados aos interesses do capital internacional e que, nesse sentido, (...) a qualificação da força de trabalho, sob a ótica da teoria do capital humano (...) representava para a educação uma limitação, uma vez que ela (...) poderia qualificar, a um nível, que apenas satisfizesse a reprodução do capital, não a sua socialização.
Os programas de desenvolvimento elaborados nesse período, mesmo os relacionados com a área setorial da educação mantiveram-se numa linha tecnocrática, com nítida opção pela racionalidade, produtividade e eficiência, categorias que nortearam (...) a concepção e (...) a qualidade do ensino neles defendida. (idem, p. 42).
Na área propriamente educacional e, em especial, atinente ao ensino superior, foi um momento pródigo em termos de atendimento aos interesses do capital internacional, com a presença, no País, de muitos consultores internacionais, em especial, os norte-americanos, graças aos acordos MEC/Usaid.
Segundo Cunha (1988), os consultores norte-americanos (Atcon era grego, naturalizado norte -americano) desembarcavam em todos os lugares, acionados pelo governo dos Estados Unidos e pelas empresas multinacionais, sendo recebidos como os mestres da nova ordem pelos antigos dirigentes (reforçados) e pelos novos (ansiosos por solidificar seu domínio). As universidades brasileiras não ficaram imunes a esse clima. O antigo e firme impulso de modernização se articulou com a ideologia tecnocrática do planejamento na busca de mudanças que permitissem controlar as irracionalidades como eram definidas as movimentações políticas de professores e estudantes, assim como os desvios curriculares. Mas, se havia propostas genéricas de sobra, faltava quem dissesse o que fazer em cada caso específico de serviços.
Atcon propunha autonomia de gestão para as universidades brasileiras, principalmente para as federais. Autonomia, entendida como a não-intervenção do Estado na administração financeira, acadêmica e científica da universidade. Significaria sua liberdade para selecionar, contratar pessoal, moldar sua própria estrutura, elaborar sua política de desenvolvimento e crescimento, organizar e eliminar cursos, ensinar e pesquisar sem interferências.
Este entendimento muito auxiliaria as instituições de ensino a estruturar as suas formas de gestão de maneira racional e, com possibilidade de se resguardar os limites da qualidade, tão necessários.
A conquista da autonomia deveria ser precedida por uma reforma administrativa, entendida como a implantação de uma administração central, baseada nos princípios da eficiência da empresa privada e não nos moldes da estagnação centralizada do serviço público, pois uma entidade autônoma é uma grande empresa, não uma repartição pública. (Cunha, 1988, p. 207).
Os planos de desenvolvimento e os setoriais da área educacional (1972-1974 e 1974-1979), ainda do período militar, garantiam o caráter centralizador, e uma forma explícita de gestão, presente em toda a evolução do planejamento brasileiro, principalmente da educação.
A partir do contexto socioeconômico e político vigente, os planos continham-se em uma metodologia básica, que não poderia ser outra senão a de talhe logístico. Tanto quanto eles eram a formalização da ótica centralista do Governo Federal, seu modo de ver e interpretar a realidade educativa condicionava-se aos objetivos reais da logística do crescimento acelerado. (Gusso, 1980, p. 111).
Uma análise da gênese ideológica e política do planejamento no Brasil indica que do mesmo modo que se formava a estrutura teórica e técnica da política econômica, a da política educacional assentava-se na transposição acrítica das concepções e modelos em voga nos países desenvolvidos.
Os esforços de aperfeiçoamento não foram suficientes para evitar que houvesse uma ritualização do planejamento, em todos os níveis, resultando na reprodução de objetivos e modelos de ação, previamente determinados, que conseguiam, no limite acentuar o imobilismo do sistema educacional diante das pressões sociais por sua transformação.
O III Plano Setorial de Educação (PSEC) 1980-1985, já em tempo de abertura política, introduz a idéia do planejamento participativo.
Com a descoberta feita pelos planejadores de que os seus planos feitos com requintes técnicos ou não eram levados à prática, ou quando levados não conseguiam nela interferir, no sentido de modificá-la, várias pesquisas foram feitas e acabaram por demonstrar que tais planos não contavam com a participação da comunidade na sua elaboração.
À época de elaboração do III PSEC, essa constatação associada à crise do milagre econômico somada à necessidade de redução das desigualdades sociais, só era passível de explicação, com a participação política dos trabalhadores.
Foi então que se introduziu no País a idéia do planejamento participativo, portanto, apontando para a gestão participativa e democrática da educação, como superação do modelo tecnocrático, reunindo educadores, representantes dos segmentos organizados da sociedade civil, para pensar o desenvolvimento educacional como um todo e em seus segmentos.
O planejamento participativo constitui um processo político, um contínuo propósito coletivo, uma deliberada e amplamente discutida construção do futuro da comunidade, na qual participe o maior número possível de membros de todas as categorias que a constituem.
Significa, portanto, mais do que uma atividade técnica, um processo político à decisão da maioria, tomada pela maioria, em benefício da maioria. Baseado na Pedagogia da
Libertação de Paulo Freire, parte da crença no potencial humano, propõe que o povo seja encarado como sujeito da história como ator e não como mero espectador e aceita que o desenvolvimento não é um pacote de benefícios dados à população necessitada, mas um processo através do qual a população adquire maior domínio sobre seu próprio destino. (Cornely, 1980, p. 30).
Ao lado de inúmeros argumentos favoráveis ao planejamento participativo, muitos técnicos e pensadores, dentre os quais Marcuse, Paulo Freire, Fernando Guillén, Carlos Acedo Mendoza,
Kasperson e Bretkbart, Franz Faon e C. Wright Mills, atribuem valores éticos à participação da população no planejamento de seu destino.
Vários desses autores acusam de abertamente imoral o processo de planejamento tecnocrático que, sob o pretexto da neutralidade, alija o povo das decisões, avocando-as ao técnico. (idem, p. 30). Na visão destes pensadores, o planejamento tecnocrático reduz os homens à condição de objetos e não a sujeitos da ação planejadora, acentuando a ruptura entre o saber e o poder e fortalecendo o poder dos técnicos em detrimento dos demais.
A experiência de planejamento participativo incorre, porém, consciente ou inconscientemente em alguns riscos, ou até mesmo em certos equívocos, sendo o mais freqüente o de manipulação da comunidade.
A ineficácia do planejamento tradicional e a necessidade de incorporar algo novo fizeram com que a idéia fosse em parte absorvida e experimentada, ainda que com outras denominações na experiência de planejamento educacional, que tem re(início) com o retorno do País à democracia e com a assunção de presidentes civis.
A necessidade de transformar medidas de interesse da população em um plano, que pudesse encaminhar soluções para os graves problemas herdados pela Nova República, levou o presidente
Sarney a orientar a elaboração do I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República.
Este plano, prenunciando mudanças, substituía o Combate à Pobreza do último plano do regime militar, pela Prosperidade para Todos. Esta norma muito mais que um slogan traduzia-se em medida orientadora fundamental, enfatizando as questões sociais como tão prioritárias quanto às questões de natureza econômica.
Ao tratar da questão educacional, como uma das prioridades sociais, o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República começa por um relato da situação no País, por grau e modalidade de ensino, além de se reportar às tecnologias educacionais, especialmente às de comunicação: rádio, televisão, cinema e informática. (Gabardo, 1991, p. 121).
O Plano estabelece programas de ação por níveis de ensino e continua a incentivar a gestão democrática. Na área do ensino superior, propõe o Programa Nova Universidade que visa estabelecer padrões mais elevados de desempenho acadêmico, com vistas à formação da consciência crítica nacional e à redução da dependência científica e tecnológica do país, e através da revisão dos currículos, do estabelecimento de condições satisfatórias de infra-estrutura física e fortalecimento da base científica nacional. Determina o apoio crescente aos programas de pós-graduação e às atividades de pesquisa, destacando que as pesquisas educacionais devem voltar-se tanto para a conexão entre as questões educacionais e os problemas da sociedade brasileira, quanto para a superação dos obstáculos encontrados nos sistemas de 1º e 2º graus. Enfatiza as ações conjuntas entre universidades e os sistemas de 1º e 2º graus, a serem desenvolvidos, com a finalidade de elevar a qualidade da educação oferecida nesses níveis de ensino. E, também, determina o fortalecimento dos processos de aperfeiçoamento e valorização dos docentes de nível superior (Brasil, 1986, p. 67-69).
Com a eleição direta de 1989, quando a crise do País atingia níveis inimagináveis, ascende ao poder, como primeiro presidente civil da Nova República, eleito diretamente pelo povo,
Fernando Collor de Mello, e com ele medidas contra a inflação, a corrupção, a sonegação de impostos, etc.
Na área educacional, a prioridade é para o ensino de 1º grau, cujo reforço vem inclusive da Constituição de 1988. É preciso universalizar a educação básica, destinando-lhe uma fatia maior do bolo de recursos de que dispõe o MEC.
O projeto para a área educacional fica conhecido na comunidade como projetão dada a fragmentação que continua a ser característica da política educacional.
Para o ensino superior é elaborado o projetinho que continha a célebre proposta de modernização e de aumento da produtividade da universidade brasileira, pela autonomia, pela avaliação, pelo exame de habilitação profissional (uma espécie de exame de ordem) e pelo serviço civil obrigatório.
Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, como presidente da República, na esteira do sucesso e um novo plano de estabilização econômica o Real tem início em 1995 o detalhamento das propostas de governo contidas no documento Mãos-à-Obra, Brasil.
Os pilares básicos de sua política para o ensino superior são: avaliação, autonomia universitária plena e melhoria do ensino. (Sousa, 1996, p. 4).
A ênfase continua sendo a universalização da educação básica há uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e, pela primeira vez, uma possibilidade concreta de se pensar em uma proposta de formação do cidadão, com início na escola básica indo até a universidade. Novas formas de planejamento e gestão são encaminhadas.
Mas é também nesse período de governo que as divergências entre dirigentes do MEC e comunidade universitária são acentuadas, embora haja convergência de posições sobre: o esgotamento do modelo de universidade vigente; a necessidade de avaliação, como uma forma de autoconhecimento e de prestação de contas à sociedade; a necessidade de autonomia como elemento de melhoria da qualidade do ensino e da gestão universitária, etc.
Na história do planejamento, por força das influências da reforma universitária e da onda modernizante que atinge a educação nacional, o planejamento estratégico de roupagem nova chega à educação, especialmente à universidade, tentando conjugar aspectos técnicos, políticos e de participação comunitária.
Planejamento estratégico: modernidade ou modernização?
Neste item, portanto, à guisa de colaboração, concentro minhas análises nos resultados das investigações que venho realizando, bem como nos .nortes para os quais eles apontam.
Peço licença para, a partir da minha prática cotidiana, trazer reflexões sobre planejamento e gestão, no contexto universitário.
Nos últimos dois anos, desenvolvi uma pesquisa intitulada Planejamento Universitário: requisito da modernidade ou instrumento de modernização da universidade brasileira? Nesta pesquisa, procurei buscar respostas para os “ágoras” do Planejamento, em especial, na sua utilização nos meios universitários, como manifestação da racionalidade instrumental.
A partir de um olhar histórico busquei os fundamentos para análise da realidade contemporânea da universidade brasileira.
Tal análise contou com a manifestação dos dirigentes máximos das instituições universitárias, e mais do que apontar para conclusões, trouxe outras tantas indagações.
Por que, com o mundo em mudança, a idéia de universidade em crise, as administrações universitárias, ainda se preocupam em procurar respostas técnicas para questões políticas, como a da modernização das universidades? É preciso refletir com
Habermas que estamos terminando o século XX em uma situação preocupante e tal preocupação deve-se aos efeitos do que batizamos de globalização. (Habermas, 1995, p. 87-101).
Referindo-se a esta questão e analisando os reflexos das transformações ocorridas na economia mundial e os conseqüentes desafios que são estabelecidos para as universidades, o professor
Paul Singer chama a atenção especial para dois deles: a crise das especialidades tradicionais e a rápida expansão da demanda por profissionais cultos, dotados de conhecimentos gerais e por isso mesmo flexíveis com capacidade de assumir diferentes funções e, sobretudo, de enfrentar soluções e problemas inéditos. (Singer, 1996, p. 23).
Se forem considerados apenas esses dois desafios, seremos forçados a admitir que ambos são suficientes para causar uma revolução no entendimento do que é qualidade acadêmica, com as necessidades imediatas de adoção de novos paradigmas para o currículo, o processo de ensino/aprendizagem e a avaliação intra e extra-sala de aula.
Tudo isto baseado na tão simples, quanto complexa, aceitação de que o conhecimento especializado pode, com muita facilidade, ser colocado no cérebro de um computador e ser acessado por pessoas não-versadas num campo estreito de atuação, mas com cultura ampla para mover-se, por muitos deles.
Está a universidade brasileira estruturalmente organizada para enfrentar esse desafio? Há consenso na comunidade universitária de que é preciso, no sentido mais radical do termo, mudar?
A crise do Estado, as freqüentes ameaças às universidades, em especial as públicas e gratuitas, isto é, mantidas pelo poder público, a ameaça de autonomia plena, têm levado a debates efetivos e à conscientização da comunidade universitária, concernente à idéia de uma universidade que possa fazer frente a esses desafios?
O sentimento que tenho, vivendo o cotidiano da vida universitária e refletindo sobre as análises realizadas nesta pesquisa, é o de que, não obstante os ingentes esforços, a tão freqüente quanto intensa luta dos dirigentes para contornar a atual, e sempre presente, crise da insuficiência de recursos financeiros, parece que continuamos caminhando em círculos. Não fazemos mais e melhor, porque as reformas preconizadas pelo governo federal nos estrangulam com a escassez de recursos financeiros, humanos e materiais, com mudanças repentinas nas regras do jogo, como a perda da filantropia pelas universidades comunitárias. Mas, se os tivéssemos em quantidade suficiente, teríamos clareza sobre a sua aplicação, em uma nova universidade?
O esgotamento do modelo híbrido de universidade, desenhado após 1968, incorporando traços do modelo norte-americano à base da tradicional concepção européia, está a apontar que a diversidade de regiões do País reclama novos modelos de universidade a serem construídos.
No entanto, apesar da consciência de que se pratica um modelo de universidade que não mais atende às necessidades, é em torno dele que concentramos nossas análises e elaboramos nossas propostas, de tal sorte que hoje uma parte considerável da comunidade universitária (...) participa de debates, defende autonomia, sem entender corretamente a sua razão, o seu significado, a sua forma de ser exercida. (Buarque, 1986, p. 44). Isto porque não está claro para eles: autonomia para quem, para qual universidade, enfim: uma autonomia sem conteúdo. Legal, estrutural, organizacional, mas sem conteúdo.
Neste sentido, mais do que necessário, é fundamental que a universidade repense a sua missão buscando seu novo papel na nova economia e na sociedade em gestação. Neste papel, segundo ainda o professor Singer, devem caber tanto a produção de serviços para as empresas, como para os governos e para o público em geral e a discussão dos rumos alternativos que se abrem à evolução social e econômica. Se as mudanças propostas pelo governo federal e pelas entidades financiadoras podem piorar uma situação que em si é indefensável, a tática de meramente se opor a estas propostas não basta.
O pensamento progressista não deve sucumbir a uma aliança com os interesses constituídos, contrários a qualquer mudança. A globalização, a reforma do Estado e a crise universitária exigem mais do que um mero não. Elas exigem respostas criativas (Singer, 1996, p. 26).
É neste quadro referencial que se deve pensar o planejamento universitário, ou estratégico, para ser fiel à forma como ele chegou às universidades.
Como ser criativo, estabelecendo a missão, os objetivos e as metas para a universidade, sem ter clareza da idéia que conforma, neste final de século, essa complexa e tão importante instituição?
Como solicitar da comunidade de dirigentes que estabeleça as suas prioridades, perante a escassez de recursos financeiros, a partir de planilhas padronizadas, que nada mais são do que tentativa de fazer com que a realidade caiba no modelo?
Como desburocratizar, agilizar procedimentos, (re)organizar, atender às necessidades de infra-estrutura, enfim, racionalizar, com a aplicação de instrumentais que reproduzem, na prática, camisas de força que mais do que auxiliar, engessam a gestão?
Como auxiliar a universidade a desenvolver processos participativos e legítimos de envolvimento da comunidade na busca de objetivos que dêem voz e rosto aos que constroem as ações e, portanto, devem planejá-las?
Embora, com algumas diferenças em relação ao planejamento tradicional, o planejamento estratégico vem se constituindo elemento presente em todas as administrações universitárias, na busca da melhoria da qualidade da gestão. Porém, os equívocos que envolvem a sua concepção, a ausência de cuidados no tocante à indispensável adaptação às especificidades da instituição universitária, que não é uma empresa, mas sim uma organização de caráter público, pois todas elas sem distinção foram criadas para servir ao público, a certeza de que ele reproduz na prática uma manifestação da racionalidade instrumental, colocam-no como elemento de modernização sim, como o são a compra de equipamentos sofisticados, a instalação de laboratórios de última geração, mas não parceiro da Universidade na sua busca de modernidade.
Como um elemento da tecnoburocracia, o planejamento tem exercido o poder de sedução que leva dirigentes universitários esclarecidos e combativos a dedicar parte de seu precioso tempo a longos e inócuos exercícios de tecnocracia explícita quando seus esforços poderiam convergir para .a aventura de criar novos pensamentos e usá-los na busca de um mundo novo, uma universidade nova, capaz de planejar a sua própria utopia de modernidade, com democracia interna, participação, representatividade e legitimidade.
Sem isso, o planejamento universitário continuará a ser um mero exercício de análise de cenários, previsão de tendências, formulação de missões, etc., sem rever os fins e o papel da instituição (aliás, uma das suas exigências) e, portanto, sem ser o parceiro da universidade nas aventuras de um pensamento que a faz moderna e vivendo uma era de modernidade.
Referências bibliográficas
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BUARQUE, C. Uma idéia de universidade. Brasília : Ed. UnB, 1986.
CARR, Eduard H. Que é história? Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1976.
CROCE, Benedetto. Teoria e storia della storiografia. Bari : Laterza, 1920.
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 141-145, fev./jun. 2000.
Maria Amelia Sabbag Zainko - Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília; professora e pesquisadora do Programa de Mestrado em Educação e diretora-geral da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
No momento em que o planejamento assume tão importante destaque, como um dos elementos essenciais da gestão educacional, é minha pretensão trazer para o debate questões imbricadas com a sua concepção e com a forma como ele foi incorporado ao desenvolvimento educacional. Assim, ao leitor, familiarizado com a utilização do planejamento como instrumento de gestão, convido a efetuar comigo uma incursão pelos caminhos da história e da filosofia, na busca de uma nova maneira de compreendê-lo e, conseqüentemente, introduzi-lo como elemento de reflexão, de organização e de participação na construção da qualidade do processo educacional.
Estabelecendo as bases para a reflexão
Iniciarei partindo do pressuposto de que o planejamento como instrumento racional de controle social tem a sua história passível de ser assimilada numa perspectiva de História da Razão.
Por ser permanentemente manifestação da racionalidade técnica, o planejamento acaba por se constituir fundo e forma da racionalidade do nosso século.
Esta tarefa parece tornar-se um pouco menos árdua, a partir da busca de respaldo na obra de François Châtelet Uma História da Razão (1994). Nesta obra encontrei o eixo norteador de análise e (re)conheci o núcleo de idéias que compõem o quadro de referências necessário para a associação da História do Planejamento à História da Razão.
Em entrevistas concedidas à Émile Noël, Châtelet traça uma história da razão ocidental, partindo de um traço constitutivo do nosso tempo: a racionalidade técnica, a do mundo industrial. (Châtelet, 1994, p. 11).
Na introdução da obra feita por Jean-Toussaint Desanti, este pensador nos convida a um passeio pelos textos de Châtelet que, para ele, mantêm a característica de palavra viva.
Assim nos lembra que Châtelet recusou-se a ser espectador dos acontecimentos, neles interferindo como sujeito que pensa e que, portanto, toma partido e luta. Ainda, segundo Desanti, neste livro Châtelet nos conta algo como uma história da racionalidade, que ainda vivemos, desde as origens gregas, através de suas crises, suas revoluções, suas tensões e também seus impasses, que são, contudo, em cada oportunidade, sempre superadas. Decididamente, esse demônio gosta da luz. Mas, acima de tudo, gosta de dá-la de presente. E era bem com esse espírito que Châtelet amava e praticava a História. Dizem que a
Matemática é a irmã gêmea da Filosofia. A História também, por aquilo que oferece para ser compartilhado: o caminho, o longo percurso, as promessas do futuro que vivem nas pegadas do passado, embora meio desfeitas e parcialmente esquecidas (Châtelet, 1994, p. 9).
Toda rememoração é apropriação, germe do pensamento que se abre para um futuro necessário. (idem, p. 9).
Respondendo à questão de Émile Noël: a razão é inerente ao pensamento ou foi inventada? Châtelet parte da idéia de que se pode falar de uma invenção da razão e busca situar seu raciocínio desde a Grécia antiga com Sócrates, Platão e Aristóteles.
Na sua análise, estabelece a definição de idéia como uma essência. Valendo-se de definição de Spinoza, conceitua essência como aquilo sem o qual uma coisa não seria o que ela é.
(idem, p. 41). Ela é o núcleo a partir do qual podem desenvolver-se múltiplas variações.
Com Platão e sua filosofia, surge a distinção entre essência e aparência, e Châtelet enfatiza que durante o período medieval os filósofos cristãos explicarão que Deus, quando criou o mundo, tinha no seu entendimento, no seu espírito, essências eternas a partir das quais criou o que chamamos hoje .criação., isto é, o mundo das aparências. (idem, p. 49).
Aristóteles, diferentemente de Platão, pensa que não é assim que se deve apresentar as coisas, se o que se quer é uma filosofia ativa, e desenvolve o seu raciocínio na linha de um .empirismo., baseado na máxima de que para aprender é preciso fazer.
Com uma atitude de experimentalista, Aristóteles se inscreve em uma tradição relativamente nova, a dos engenheiros, dos médicos, dos físicos, que se baseiam na experiência para construir os enunciados. Desse ponto de vista, Aristóteles é surpreendentemente moderno. (Châtelet, 1994, p. 50).
A partir de um salto de quase 20 séculos, no tempo, Châtelet vem analisar o diálogo que a filosofia trava com a ciência da natureza, cujos expoentes são Copérnico, Galileu e Descartes.
Sua ênfase recai em Descartes que, com sua teoria do Cogito, provoca uma revolução filosófica que dá sustentação à origem intelectual do mundo moderno.
Suas Meditações Metafísicas estabelece que na origem deste Mundo, que é pensamento puro e matéria pura, há Deus, todo poderoso e benevolente criador do mundo segundo leis simples. (idem, p. 65).
Esta afirmação é peça fundamental para a sustentação da física de Galileu, que considera a matemática como a linguagem da racionalidade integral, de tal sorte que a perfeição divina exige que o próprio Deus escreva em linguagem matemática ao criar o mundo. Na administração do sistema proposto por Galileu, Descartes, que é considerado o Pai da Modernidade continua afirmando de forma bastante clara que a existência de Deus é um dado da luz natural e não da luz sobrenatural. É a razão que demonstra a existência de Deus. (idem, p. 67).
Com a evolução do mundo pelos grandes descobrimentos, com a Reforma, com o impulso das ciências e das técnicas que revolucionaram o tecido social e, conseqüentemente a racionalidade, a filosofia se vê às voltas com novos conceitos políticos.
Nesta nova etapa, surgem os estudos de Maquiavel, Bodin, Hobbes e Locke, que vão desempenhar na história das idéias um importante papel na definição do Estado, nos direitos humanos, no conceito de liberdade, de igualdade e de contrato social.
Com Kant, no século XVIII, considerado o século dos filósofos que se opõem não só aos teólogos, mas também aos metafísicos, vamos reencontrar pessoas que só confiam na experiência, que se interessam pela ciência teórica, pelas técnicas, pela vida cotidiana, pelas transformações dos costumes. (Châtelet, 1994, p. 88), enfim, pessoas mais próximas da realidade. Nesta categoria de filósofos, situam-se Hume, Voltaire e Vico.
Para Kant, na Crítica da Razão Pura, embora para esses três elementos ela tenha fontes de conhecimento a priori que, à primeira vista, parecem ultrapassar os limites da experiência, uma crítica completa nos convence, entretanto, de que todo conhecimento humano começa com intuições, eleva-se até conceitos e termina com idéias. Toda razão, no uso especulativo, nunca pode, com esses elementos, ir além do campo da experiência possível e de que o próprio destino desse poder supremo de conhecer é (...) acompanhar a natureza até naquilo que ela tem de mais íntimo (...) sem nunca sair dos seus limites, fora dos quais só há, para nós, um espaço vazio (idem, p. 98).
Châtelet atribuiu a Kant o título de pensador da modernidade, porque entende que ele é o filósofo que funda o pensamento experimental e, conseqüentemente, o racionalismo crítico.
Ele nos mostra que o pensamento humano deve renunciar à idéia que, no fundo, estava na origem do projeto platônico: construir um saber absoluto. Não existe saber absoluto. Todo saber é relativo à estrutura do homem. (idem, p. 99).
Kant nos assegura que a realidade existe fora do pensamento humano. A coisa em si existe.
A sua afirmação de que só a ciência pode desenvolver enunciados verificáveis e que, portanto, só ela produz enunciados verdadeiros, poderia aproximá-lo do pensamento positivista de
Augusto Comte. Porém, a diferença entre os dois pensadores está no fato de que produzir enunciados verdadeiros não é fornecer a totalidade da verdade.
Por outro lado, a perspectiva de Augusto Comte de que a metafísica morreu, porque a ciência a matou, não é verdadeira, pois mesmo com os progressos científicos, os filósofos e os cientistas continuam desenvolvendo metafísicas ou ontologias.
O projeto kantiano que se desenvolveu no século das Luzes, de tal sorte, a ser ele próprio um Aufklärer, um pensador das luzes como Voltaire, Rousseau, Diderot e d.Alembert, considerados pensadores militantes tem como objetivos, além da fundamentação das ciências experimentais, dar à humanidade um esquema para sua ação.
Ao enunciar esse programa, Kant retoma a idéia de alguns pensadores do século XVIII, que desejariam reunir todos os homens de boa cultura, de boa moral, todos os homens de reflexão e de progresso, em torno de uma perspectiva de salvação, fundada sobre a luta contra o obscurantismo e a miséria. (Châtelet, 1994, p. 106).
Tal perspectiva tinha por objetivo reuni-los em torno de uma outra forma de razão: a razão prática.
Ao esforço e ao pensamento de Kant, impõe-se um outro vulto confrontando filosofia e história: Hegel. Em Hegel, a idéia de progresso intelectual e material, herdada da Idade das Luzes, é radicalizada por um acontecimento maior, a Revolução Francesa. Os governantes e os povos compreendem, à custa do sofrimento, o seu destino histórico. Hegel formaliza esse acontecimento. Tenta construir o saber que torna inteligível o dever da humanidade de organizar o seu presente sob os auspícios da razão (idem, p. 106). Por isso, constitui uma síntese de todo o saber filosófico passado, reunindo em seus textos as descobertas feitas pelo pensamento moderno.
Uma vez que Châtelet continua sua história da razão trazendo para a reflexão a proposta do marxismo, a partir do entendimento de que só há uma ciência, a ciência da história, e um só pressuposto, o homem empírico. (Châtelet, 1994, p. 133), e a idéia do futuro da filosofia calcada em breves análises sobre o pensamento de Nietzsche e Freud, é importante estabelecer um corte para apreciar de forma mais aprofundada o próprio sentido de história e, a partir dele, refletir sobre a história do planejamento no plano da história das idéias.
Para tal, é necessário desde logo trazer à luz a distinção que Hegel faz dos dois significados do termo história.
Ao afirmar que o termo história une o lado objetivo e o lado subjetivo, Hegel estabelece para ela o significado tanto de história rerum gestarum quanto de res gestae. Este termo (res gestae)
refere-se às coisas feitas, ao processo histórico objetivo; aquele (rerum gestarum), ao processo subjetivo, à narração das coisas feitas. (Hegel, 1967, p. 54-55).
Destacando, para efeitos da análise pretendida, duas correntes de pensamento de filósofos modernos como Comte e Hegel o positivismo e o idealismo. Não posso me esquecer que ambas comportam concepções opostas à história, orientadas por modelos também opostos ao conhecimento.
Segundo Cunha (1981), a concepção positivista da ciência da história elaborada em princípios do século XIX, por Humboldt, Fustel de Coulanges, Acton e Ranke entende que a história, no sentido de res gestae, existe objetivamente, em termos ontológicos e gnoseológicos, como uma estrutura dada de uma vez por todas. O expoente máximo da concepção positiva, Ranke, reagindo contra a história moralizante que imperava nas primeiras décadas do século passado, defendia que o historiador deveria mostrar o sucedido como efetivamente sucedeu uma expressão tomada como lema por toda uma escola. Mas, sem se libertar de uma referência teológica, acreditava que a Divina Providência cuidaria do significado da história se ela cuidasse dos fatos (como efetivamente ocorreram). Na mesma direção, Acton orientava os colaboradores da primeira Cambridge Modern History para que sua narração da batalha de Waterloo fosse de tal forma objetiva que satisfizesse a ingleses, franceses, alemães e holandeses (Carr, 1976).
Essa concepção de cunho mecanicista coloca o objetivo do conhecimento (a história como res gestae) como um produto pronto e acabado que atua sobre o sujeito/historiador, imprimindo sua cópia fiel, só perturbada pelas diferenças individuais ou genéticas.
A sociedade, cuja história se procura elaborar, é vista como um todo harmonioso do qual se afasta toda negatividade, a não ser como desvio.
O verdadeiro sentido do termo positivo, utilizado por Augusto Comte para denominar essa corrente de pensamento, está na oposição às perigosas teorias negativas, críticas, destrutivas, dissolventes, subversivas, em uma palavra revolucionárias da filosofia das Luzes, da Revolução Francesa e do Socialismo. (Lowy, 1975).
Nessa concepção de história, o papel do historiador resume-se ao de um colecionador de fatos. A história (como história rerum gestarum) nasceria espontaneamente da colheita e da ordenação de um número suficiente de fatos bem documentados.
Para Renato Janine Ribeiro (apud Ghiraldelli Júnior, 1994, p. 22), termina no século XVIII uma idéia de história enquanto elenco de exemplos.
A história exemplar, de acordo com ele, é o alimento da reflexão sobre as paixões, reflexão que tem na corte, seu melhor laboratório. É a história que não se importa se sucedeu o fato narrado mas, importa-se sim, se dele pode extrair uma regularidade importante para o conhecimento do homem, ou uma lição significativa para nossa conduta.
Essa idéia de história lembra ele, perde terreno quando os historiadores não somente passam a adotar o trabalho de pesquisa rigorosa, com preocupação com as fontes, mas principalmente, quando o homem passa a ser considerado historicamente, isto é, passível de mudanças .e que na definição de acontecimento se considere o estar marcado pela mudança, pela novidade. (Ribeiro, 1993,
apud Ghiraldelli Júnior, 1994).
Planejamento, manifestaçãoda racionalidade instrumental
A associação pretendida não pode prescindir da visão de Nietzsche, cujas justificações teóricas marcam verdadeiramente a transição entre razão clássica e a situação na qual nos encontramos.
A relação da ciência e da técnica, hoje, não é a mesma que aquela que existia no tempo de Descartes. No tempo de Descartes, os progressos foram tão fulgurantes que se podia pensar que a técnica era sempre benéfica e que o domínio da natureza não tardaria. Ora, nosso século revelou (...) que a ciência está cada vez mais submetida às exigências técnicas e que isso se reflete na sua capacidade de invenção (Châtelet, 1994, p. 151).
Na linha de pensamento que venho desenvolvendo, uma história do planejamento da educação orientada pelo positivismo apenas daria continuidade ao que fizeram Betty Mindlin Lafer (1970), que colecionou artigos sobre a história do planejamento no Brasil, ou Robert Dalland (1968) que, a partir dos documentos disponíveis, analisou de forma fragmentada a estratégia e o estilo do planejamento brasileiro.
Numa concepção oposta ao modelo mecanicista do positivismo, o idealismo defende um papel ativo para o sujeito que conhece, o qual percebe o objeto do conhecimento como sua produção. Neste modelo ativista, o objeto do conhecimento tende a desaparecer, ao mesmo tempo em que o sujeito que conhece cria, no processo de conhecimento, a realidade.
Na análise em pauta, a história do planejamento partiria de um modelo idealizado de planejamento, modelo este situado no passado, no futuro ou mesmo no presente.
No pensamento sobre o planejamento no Brasil, há importantes estudos dentre os quais se destacam os de Ianni, Baia Horta, Calazans, Cardoso e Pereira que, não obstante abordarem paradigmas de valor, têm sido insuficientes para aclarar questões imbricadas à própria evolução desse processo de controle social.
Embora seja perceptível uma certa sensibilidade pela História, por parte dos que se dedicam a estudar os fenômenos educacionais, assim como a evolução dos acontecimentos na área da formulação dos planos e da política educacional, as dificuldades relacionadas com a documentação, fontes, historiografia e arquivos históricos em condições de pleno uso, trazem empecilhos para o conhecimento e o conseqüente enfrentamento dos problemas próprios de uma formação social.
É com Adam Schaff (1977), em História e Verdade, que vamos ter uma visão de Hegel como o precursor do presentismo e de Benedetto Croce como o pai dessa nova concepção: O que em Hegel não é mais do que idéias deixadas em esboço, sem laços de coerência com a totalidade da sua obra, torna-se em Croce um sistema coerente de reflexões idealistas sobre a história, fazendo deste filósofo o pai espiritual do presentismo inteiramente baseado na tese de que a história é o pensamento contemporâneo projetado no passado (Schaff, 1977, p. 103).
Para Croce, a história (enquanto res gestae) é história do espírito, o qual se faz transparente a si mesmo como pensamento na história (enquanto história rerum gestarum). Um fato é histórico quando é pensado, pois nada existe fora do pensamento. Por outro lado, fato não-histórico seria um fato não pensado, logo inexistente.
Além do pensamento não há coisa alguma: o objeto natural torna-se um mito quando afirmado como objeto (Croce, 1920).
Assim concebida, não se poderia dizer que existe uma história, mas várias, tantas quantas forem os espíritos que as criam.
Não só cada época teria sua própria visão da história sua própria história como cada nação, cada classe social, cada historiador.
Dessa maneira, uma história do planejamento da educação elaborada com base na concepção idealista ou de acordo com a concepção positivista não atenderia às exigências do trabalho científico. Porque, segundo Cunha (1981), os idealistas, desprezando a força da realidade, privilegiam o papel do historiador na confirmação do passado e, os positivistas, por sua vez, empenhados em dissimular as contradições sociais e em elidir o papel do pensamento como força social (no fundo, esconder a própria luta de classes) tentam impor ao historiador uma visão unilateral dos fatos, o que, paradoxalmente, não deixa de ter um conteúdo idealista. Não se trata, pois, de rejeitá-los ou, mesmo de tentar conciliá-los, mas de superá-los, incorporando seus elementos válidos numa síntese dialética. Para isso, é preciso reconhecer a procedência da colocação dos positivistas quanto à existência objetiva do processo histórico (história como res gestae) independente do historiador; ao mesmo tempo, é preciso reconhecer a procedência dos argumentos que os presentistas levantam contra os positivistas, mostrando o caráter ativo e interessado de todo historiador, de sua inevitável tomada de partido na elaboração da ciência da história (história rerum gestarum). (Cunha, 1981, p. 38).
Schaff, em vez de privilegiar um dos termos da relação cognoscitiva, o objeto, consoante o positivismo, ou o sujeito, segundo o idealismo, propõe estabelecer, como princípio, sua interação: tanto o sujeito, quanto o objeto têm existência objetiva e real, atuando um sobre o outro.
A partir dessa constatação, nada mais natural que, apoiado em Marx. (Tese VI contra Feuerbach) que concebe o homem como o conjunto das relações sociais e a atividade do sujeito enquanto atividade prática de transformação da realidade apreendida, Schaff enfatiza o conhecimento como momento da práxis humana que supera a sua visão como atividade contemplativa ou como ficção especulativa.
É, portanto, no materialismo histórico dialético, que entende possível ultrapassar as concepções positivista e idealista, ressaltando que o homem faz história nas condições dadas pela História, sendo livre e criativo mas, ao mesmo tempo, enraizado, que pretendo centrar a minha análise, considerando a relação dialética entre sujeito e objeto no processo de conhecimento.
Dessa maneira, o historiador não parte propriamente dos fatos e sim de materiais históricos, fontes, com a ajuda dos quais constrói os fatos históricos.
Se ele os constrói, os fatos históricos, mais do que ponto de partida, são resultado de um processo. Nesse processo de produção do conhecimento, o sujeito assume um papel ativo, ao considerar os dados da realidade concreta, onde intervêm não só sua subjetividade mas, principalmente, as determinações sociais.
A questão da objetividade do conhecimento, da sua verdade, fica contida, na perspectiva marxista, na questão de que todo conhecimento não é, na verdade, um conhecimento individual e sim de classe. Portanto, conhecimento interessado e, de alguma forma, coletivo.
A análise do planejamento como ação humana, com o compromisso de vir a se constituir um movimento dialético entre teoria e prática, possibilitando ao educador discernir que meios não são fins em si mesmos, deve auxiliar na compreensão do papel que o planejamento deve desempenhar na Modernidade: época por excelência da racionalidade técnica, ou da razão instrumental, de tal sorte que o planejador, ao planejar, tenha claro que: ... não pretende deter a marcha do processo, a pretexto de conduzi-lo. Ao afirmar o futuro, ao antecipar o acontecer, a forma crítica de planejar tem em conta o concurso da liberdade, e sabe que lhe compete utilizar as oportunidades originais e os aspectos imprevisíveis surgidos com a execução do próprio plano. Mesmo acreditando que o plano contém uma certa prefiguração do futuro e não poupando esforços para realizá-lo conforme deseja, sabe que tanto o plano quanto os esforços para implantá-lo são outros tantos dados que se incorporam ao processo (Horta, 1987, p. 218).
O planejamento, como processo social, e como tal em estreita conexão com a política, requer para sua melhor explicitação ser compreendido no contexto de uma Sociologia do
Planejamento, tão bem formulada por Luiz Pereira. Assim é ele que nos assegura que as categorias chaves da sociologia são as de estrutura social e processo social. Como se sabe, as duas noções são complementares: aquela, apanha a configuração da práxis coletiva; esta, a própria práxis como totalidade em ato. Jogando com ambas, a práxis coletiva determina-se como estruturação, desestruturação, reestruturação. Nestes termos, a noção de estrutura apanha a práxis respectiva, ou processo de reatualização de uma configuração estrutural prévia; e a noção de processo desdobra-se, então, nas de processo não-inovador e de processo inovador. Em outras palavras, em termos esquemáticos e polares, no primeiro caso temos o homem inserido na práxis repetitiva; no segundo temos o homem inserido na práxis inovadora. Isso equivale a ter o homem como ator ou objeto, como autor ou sujeito da história (Pereira, 1970, p. 12).
O planejamento, como controle inovador, caracteriza- se como processo instrumental de fazer história, decorrente de opções conscientes por determinado caminho, dentre os possíveis que se apresentam no momento histórico. Isto significa dizer que o planejamento, como uma das configurações da práxis inovadora, exprime as determinações essenciais do tipo macroestrutural histórico em que ocorre (capitalista e socialista). Em outras palavras, ele sempre é processo de desenvolvimento do tipo e não de implantação histórica deste ou de implantação de uma das etapas de seu desenvolvimento. Em suma, planejamento não é política, que no limite consiste na práxis inovadora máxima (idem, p. 17).
O que equivale a dizer que ele pode implementar racionalmente uma política, mas é incapaz de assumir seu lugar, exceto ideologicamente.
Retomando a idéia de que o planejamento é a exploração consciente de um dos possíveis históricos, o movimento para apresentá-lo como política espaço praxístico onde se realiza... a negociação de etapas de um tipo macroestrutural histórico e sua substituição por outra e, mais ainda a negação de um tipo e sua substituição por outro é quase que lógico: a sociedade, tomada como um sistema em evolução, exige como correlato na política tão-somente uma técnica social aplicada que cuida para que a evolução prossiga em direção a seu fim. (Gallo, 1995, p. 104).
A ação planejada, quando realizada dentro da perspectiva anterior, como vem ocorrendo historicamente, coloca em evidência a alienação do poder político, característica do Estado moderno, com a sociedade civil, distanciando-se progressivamente do exercício efetivo da soberania, sendo as decisões cada vez mais tomadas em seu nome.
Como conseqüência, há uma autonomização das esferas decisórias, com a sociedade servindo às instituições, ampliando a heteronomia social, a legislação ou regulação pelo discurso do Outro, um discurso estranho que está em mim e me domina: fala por mim... um imaginário vivido como mais real que o real, ainda que não sabido como tal, precisamente porque não sabido como tal. (Castoríadis, 1975, p. 124, apud Gallo, 1995).
Neste quadro de referências, o planejamento da educação no Brasil, ou seja, o processo social de formulação de políticas públicas, como manifestação da racionalidade instrumental, tem-se constituído mais um instrumento da burocracia estatal que, ao invés de apresentar alternativas para o problema educacional, agudizou-o, à medida que se estigmatizou como exercício tecnocrático distante da realidade social em que se localizam os problemas que demandam solução.
Isto remete à reflexão sobre a eficácia do planejamento como instrumento de formulação de políticas públicas, principalmente porque um plano de educação compromissado com a transformação do real deveria ter como propósito: Uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático de ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos Jardins de Infância à Universidade, não à receptividade, mas à atividade criadora do aluno. (Horta, 1982, p. 20-21).
No estudo da história do planejamento, é fundamental não apenas descrever ações desenvolvidas e imediatamente percebidas, mas também procurar compreender as razões históricas que as determinaram, contribuindo assim para a inserção do planejamento como processo de formulação de políticas públicas (ele próprio como um elemento constitutivo da Modernidade) no amplo campo de horizontes possíveis que nos são dados pela utopia da Pós-Modernidade.
Planejamento no Brasil, sua história, sua prática
A exigência do planejamento como instrumento racionalizador do desenvolvimento do ensino brasileiro ganha força extraordinária a partir da década de 60, inclusive no âmbito do ensino superior, com o advento da Reforma Universitária de 1968 e da aceitação geral de que a universidade brasileira, bem como as instituições de ensino, especialmente as públicas devem, neste final de século, incorporar aos seus desempenhos critérios como produtividade, eficiência e eficácia.
No contexto de uma análise histórico-sociológica, o debate sobre a possibilidade teórica do planejamento, data da década de 20, mesmo nos países mais avançados.
Segundo Lafer (1970, p. 7), o planejamento nada mais é do que um modelo teórico para a ação: propõe-se a organizar o sistema econômico, a partir de certas hipóteses sobre a realidade.
Naturalmente, cada experiência de planejamento se afasta de sua formulação teórica e o que é interessante na análise dos planos é justamente separar a história do modelo previsto.
Tendo surgido como instrumento do desenvolvimento econômico, o planejamento no Brasil também acompanhou a tendência mundial.
A partir da década de 40, várias foram as tentativas de coordenar, controlar e planejar a economia brasileira. (Lafer, 1970, p. 18), mas configuraram-se com propostas: o Relatório Simonsen (1944-1945); como diagnósticos: a Missão Cooke (1942-1943), a Missão Abbink (1948), a Comissão Mista Brasil-EUA (1951-1953); como esforços no sentido de racionalizar o processo orçamentário: o Plano Salte (1948); como medidas puramente setoriais, o caso do petróleo ou do café. Todas estas experiências não se enquadravam na noção de planejamento, propriamente dita.
O período 1956-1961, no entanto, deve ser interpretado de maneira diferente, pois, o plano de metas, pela complexidade de suas formulações quando comparado com essas tentativas anteriores e pela profundidade de seu impacto, pode ser considerado como a primeira experiência efetivamente posta em prática de planejamento governamental no Brasil (Lafer, 1970, p. 30).
Sendo também este o plano que, pela primeira vez no País, introduz formalmente a educação como um dos setores prioritários para o desenvolvimento econômico, convém relembrar que, já em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova acenava para a necessidade de um plano de educação. 1 As idéias aqui contidas encontram-se mais detalhadas em Zainko (1998).
Na constituição de 1934, é estruturado um capítulo sobre a Educação e mantida a idéia de plano de educação, ainda que a sua concepção estivesse atrelada à de diretrizes.
Encarregado de elaborar o Plano, o Conselho Nacional de Educação o faz em 1937, sob a forma de lei, encaminhando-o ao Congresso Nacional, em maio daquele ano.
O Golpe de Estado de 1937 não permite a sua discussão e, na seqüência, o Ato Adicional não faz menção a planos de educação.
Segundo Ribeiro, a opção pelo rápido desenvolvimento exigiu do presidente Juscelino Kubstcheck acenar com a prioridade para a educação, porque era preciso ampliar o sistema educacional no País, para colocá-lo a serviço do desenvolvimento.
Se o desenvolvimento econômico é a meta suprema que orienta o Governo e se esse desenvolvimento é entendido como progresso, emancipação econômica, despauperização, superação do atraso e alcance de prosperidade, faz-se necessária uma educação que privilegie a especialização e a técnica, na medida em que qualifique o povo para este novo tipo de sociedade (Ribeiro, 1989, p. 38).
Ao exigir maior produtividade da força de trabalho, o modo de produção capitalista valoriza a escola e a educação, pois, é por meio da formação de recursos humanos que se pode, de forma eficaz, aumentar os ganhos e a produtividade.
Neste sentido, o Governo JK assegurou, no Plano de Metas 1956-1961, a Meta 30, voltada para uma educação comprometida com a formação de pessoal técnico, necessária ao processo de crescimento acelerado do País.
A pretensa valorização do homem garantida por uma educação atrelada à idéia do treinamento para maior qualificação do capital humano certamente não era a pretendida pela população, que aspirava à universalização do ensino primário.
No período de Jânio Quadros, a educação ganha novos contornos, pois ao lado da intenção de manter a fase acelerada do desenvolvimento industrial, como requisito para o crescimento econômico do País, no plano educacional, a preocupação fundamental era com a elevação cultural de todo o povo. Ao lado da formação técnica para o trabalho, a educação, como formação e caminho para a maior politização da população.
Com a renúncia de Jânio Quadros, inicia-se o Governo João Goulart, no qual conviveram duas tendências no que diz respeito (...) à educação e ao ensino. Uma delas, a contida no Plano Nacional de Educação (...), estabelecia as diretrizes e bases da educação nacional. Outra, a que refletia a posição ideológica do governo, ambas consubstanciadas no Programa de Emergência do MEC para 1962 e no Plano Trienal 1963-1965 (Ribeiro, 1989, p. 40).
No Plano Trienal, a Educação é tratada como pré-investimento para aperfeiçoamento do fator humano, devendo constituirse um direito de todos. Está inserida no processo de desenvolvimento da Nação e, como parte dele, não apenas se ajusta, mas interfere nas ações, e sofre influências, em especial, as de ordem política.
Na visão de Horta (1982), as diretrizes do Plano Trienal, no que tange especificamente ao ensino superior, reportaram-se à ampliação das matrículas e diversificação dos cursos, não quantificando esta ampliação, na forma de metas. Indicavam medidas no sentido de criar programas específicos para as áreas de medicina, engenharia e filosofia, com vistas à expansão e melhoria dos cursos de graduação, à criação de cursos de pós-graduação e à formação de pesquisadores.
Ao lado dessa ampliação do conceito de educação e da certeza da sua importância para o processo de desenvolvimento econômico, nascia a consciência da necessidade de se planejar a educação em articulação com o planejamento econômico e social global, não só como forma de vincular a preparação de mão-de-obra ao crescimento econômico, como também uma forma de preparar o povo para a aceitação das reformas institucionais de bases pretendidas (Ribeiro, 1989, p. 40).
Com a influência tecnocrática apontando ao poder, a necessidade de racionalização social, econômica e política, e a educação considerada como um instrumento eficaz de difusão ideológica era natural que ela fosse vista como um setor a ser planejado.
O Plano Nacional de Educação respondia a essa exigência, principalmente, no que concerne à racionalização das políticas, porém, a sua formulação em nada se diferenciava de um programa de distribuição de recursos financeiros aos três graus de ensino, o que inviabilizava a sua execução como plano.
É ainda, Ribeiro (1989, p. 42) quem assegura que, na sociedade brasileira, sobretudo no período de 1964 a 1970 (...), os interesses das classes no poder estavam intimamente associados aos interesses do capital internacional e que, nesse sentido, (...) a qualificação da força de trabalho, sob a ótica da teoria do capital humano (...) representava para a educação uma limitação, uma vez que ela (...) poderia qualificar, a um nível, que apenas satisfizesse a reprodução do capital, não a sua socialização.
Os programas de desenvolvimento elaborados nesse período, mesmo os relacionados com a área setorial da educação mantiveram-se numa linha tecnocrática, com nítida opção pela racionalidade, produtividade e eficiência, categorias que nortearam (...) a concepção e (...) a qualidade do ensino neles defendida. (idem, p. 42).
Na área propriamente educacional e, em especial, atinente ao ensino superior, foi um momento pródigo em termos de atendimento aos interesses do capital internacional, com a presença, no País, de muitos consultores internacionais, em especial, os norte-americanos, graças aos acordos MEC/Usaid.
Segundo Cunha (1988), os consultores norte-americanos (Atcon era grego, naturalizado norte -americano) desembarcavam em todos os lugares, acionados pelo governo dos Estados Unidos e pelas empresas multinacionais, sendo recebidos como os mestres da nova ordem pelos antigos dirigentes (reforçados) e pelos novos (ansiosos por solidificar seu domínio). As universidades brasileiras não ficaram imunes a esse clima. O antigo e firme impulso de modernização se articulou com a ideologia tecnocrática do planejamento na busca de mudanças que permitissem controlar as irracionalidades como eram definidas as movimentações políticas de professores e estudantes, assim como os desvios curriculares. Mas, se havia propostas genéricas de sobra, faltava quem dissesse o que fazer em cada caso específico de serviços.
Atcon propunha autonomia de gestão para as universidades brasileiras, principalmente para as federais. Autonomia, entendida como a não-intervenção do Estado na administração financeira, acadêmica e científica da universidade. Significaria sua liberdade para selecionar, contratar pessoal, moldar sua própria estrutura, elaborar sua política de desenvolvimento e crescimento, organizar e eliminar cursos, ensinar e pesquisar sem interferências.
Este entendimento muito auxiliaria as instituições de ensino a estruturar as suas formas de gestão de maneira racional e, com possibilidade de se resguardar os limites da qualidade, tão necessários.
A conquista da autonomia deveria ser precedida por uma reforma administrativa, entendida como a implantação de uma administração central, baseada nos princípios da eficiência da empresa privada e não nos moldes da estagnação centralizada do serviço público, pois uma entidade autônoma é uma grande empresa, não uma repartição pública. (Cunha, 1988, p. 207).
Os planos de desenvolvimento e os setoriais da área educacional (1972-1974 e 1974-1979), ainda do período militar, garantiam o caráter centralizador, e uma forma explícita de gestão, presente em toda a evolução do planejamento brasileiro, principalmente da educação.
A partir do contexto socioeconômico e político vigente, os planos continham-se em uma metodologia básica, que não poderia ser outra senão a de talhe logístico. Tanto quanto eles eram a formalização da ótica centralista do Governo Federal, seu modo de ver e interpretar a realidade educativa condicionava-se aos objetivos reais da logística do crescimento acelerado. (Gusso, 1980, p. 111).
Uma análise da gênese ideológica e política do planejamento no Brasil indica que do mesmo modo que se formava a estrutura teórica e técnica da política econômica, a da política educacional assentava-se na transposição acrítica das concepções e modelos em voga nos países desenvolvidos.
Os esforços de aperfeiçoamento não foram suficientes para evitar que houvesse uma ritualização do planejamento, em todos os níveis, resultando na reprodução de objetivos e modelos de ação, previamente determinados, que conseguiam, no limite acentuar o imobilismo do sistema educacional diante das pressões sociais por sua transformação.
O III Plano Setorial de Educação (PSEC) 1980-1985, já em tempo de abertura política, introduz a idéia do planejamento participativo.
Com a descoberta feita pelos planejadores de que os seus planos feitos com requintes técnicos ou não eram levados à prática, ou quando levados não conseguiam nela interferir, no sentido de modificá-la, várias pesquisas foram feitas e acabaram por demonstrar que tais planos não contavam com a participação da comunidade na sua elaboração.
À época de elaboração do III PSEC, essa constatação associada à crise do milagre econômico somada à necessidade de redução das desigualdades sociais, só era passível de explicação, com a participação política dos trabalhadores.
Foi então que se introduziu no País a idéia do planejamento participativo, portanto, apontando para a gestão participativa e democrática da educação, como superação do modelo tecnocrático, reunindo educadores, representantes dos segmentos organizados da sociedade civil, para pensar o desenvolvimento educacional como um todo e em seus segmentos.
O planejamento participativo constitui um processo político, um contínuo propósito coletivo, uma deliberada e amplamente discutida construção do futuro da comunidade, na qual participe o maior número possível de membros de todas as categorias que a constituem.
Significa, portanto, mais do que uma atividade técnica, um processo político à decisão da maioria, tomada pela maioria, em benefício da maioria. Baseado na Pedagogia da
Libertação de Paulo Freire, parte da crença no potencial humano, propõe que o povo seja encarado como sujeito da história como ator e não como mero espectador e aceita que o desenvolvimento não é um pacote de benefícios dados à população necessitada, mas um processo através do qual a população adquire maior domínio sobre seu próprio destino. (Cornely, 1980, p. 30).
Ao lado de inúmeros argumentos favoráveis ao planejamento participativo, muitos técnicos e pensadores, dentre os quais Marcuse, Paulo Freire, Fernando Guillén, Carlos Acedo Mendoza,
Kasperson e Bretkbart, Franz Faon e C. Wright Mills, atribuem valores éticos à participação da população no planejamento de seu destino.
Vários desses autores acusam de abertamente imoral o processo de planejamento tecnocrático que, sob o pretexto da neutralidade, alija o povo das decisões, avocando-as ao técnico. (idem, p. 30). Na visão destes pensadores, o planejamento tecnocrático reduz os homens à condição de objetos e não a sujeitos da ação planejadora, acentuando a ruptura entre o saber e o poder e fortalecendo o poder dos técnicos em detrimento dos demais.
A experiência de planejamento participativo incorre, porém, consciente ou inconscientemente em alguns riscos, ou até mesmo em certos equívocos, sendo o mais freqüente o de manipulação da comunidade.
A ineficácia do planejamento tradicional e a necessidade de incorporar algo novo fizeram com que a idéia fosse em parte absorvida e experimentada, ainda que com outras denominações na experiência de planejamento educacional, que tem re(início) com o retorno do País à democracia e com a assunção de presidentes civis.
A necessidade de transformar medidas de interesse da população em um plano, que pudesse encaminhar soluções para os graves problemas herdados pela Nova República, levou o presidente
Sarney a orientar a elaboração do I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República.
Este plano, prenunciando mudanças, substituía o Combate à Pobreza do último plano do regime militar, pela Prosperidade para Todos. Esta norma muito mais que um slogan traduzia-se em medida orientadora fundamental, enfatizando as questões sociais como tão prioritárias quanto às questões de natureza econômica.
Ao tratar da questão educacional, como uma das prioridades sociais, o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República começa por um relato da situação no País, por grau e modalidade de ensino, além de se reportar às tecnologias educacionais, especialmente às de comunicação: rádio, televisão, cinema e informática. (Gabardo, 1991, p. 121).
O Plano estabelece programas de ação por níveis de ensino e continua a incentivar a gestão democrática. Na área do ensino superior, propõe o Programa Nova Universidade que visa estabelecer padrões mais elevados de desempenho acadêmico, com vistas à formação da consciência crítica nacional e à redução da dependência científica e tecnológica do país, e através da revisão dos currículos, do estabelecimento de condições satisfatórias de infra-estrutura física e fortalecimento da base científica nacional. Determina o apoio crescente aos programas de pós-graduação e às atividades de pesquisa, destacando que as pesquisas educacionais devem voltar-se tanto para a conexão entre as questões educacionais e os problemas da sociedade brasileira, quanto para a superação dos obstáculos encontrados nos sistemas de 1º e 2º graus. Enfatiza as ações conjuntas entre universidades e os sistemas de 1º e 2º graus, a serem desenvolvidos, com a finalidade de elevar a qualidade da educação oferecida nesses níveis de ensino. E, também, determina o fortalecimento dos processos de aperfeiçoamento e valorização dos docentes de nível superior (Brasil, 1986, p. 67-69).
Com a eleição direta de 1989, quando a crise do País atingia níveis inimagináveis, ascende ao poder, como primeiro presidente civil da Nova República, eleito diretamente pelo povo,
Fernando Collor de Mello, e com ele medidas contra a inflação, a corrupção, a sonegação de impostos, etc.
Na área educacional, a prioridade é para o ensino de 1º grau, cujo reforço vem inclusive da Constituição de 1988. É preciso universalizar a educação básica, destinando-lhe uma fatia maior do bolo de recursos de que dispõe o MEC.
O projeto para a área educacional fica conhecido na comunidade como projetão dada a fragmentação que continua a ser característica da política educacional.
Para o ensino superior é elaborado o projetinho que continha a célebre proposta de modernização e de aumento da produtividade da universidade brasileira, pela autonomia, pela avaliação, pelo exame de habilitação profissional (uma espécie de exame de ordem) e pelo serviço civil obrigatório.
Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, como presidente da República, na esteira do sucesso e um novo plano de estabilização econômica o Real tem início em 1995 o detalhamento das propostas de governo contidas no documento Mãos-à-Obra, Brasil.
Os pilares básicos de sua política para o ensino superior são: avaliação, autonomia universitária plena e melhoria do ensino. (Sousa, 1996, p. 4).
A ênfase continua sendo a universalização da educação básica há uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e, pela primeira vez, uma possibilidade concreta de se pensar em uma proposta de formação do cidadão, com início na escola básica indo até a universidade. Novas formas de planejamento e gestão são encaminhadas.
Mas é também nesse período de governo que as divergências entre dirigentes do MEC e comunidade universitária são acentuadas, embora haja convergência de posições sobre: o esgotamento do modelo de universidade vigente; a necessidade de avaliação, como uma forma de autoconhecimento e de prestação de contas à sociedade; a necessidade de autonomia como elemento de melhoria da qualidade do ensino e da gestão universitária, etc.
Na história do planejamento, por força das influências da reforma universitária e da onda modernizante que atinge a educação nacional, o planejamento estratégico de roupagem nova chega à educação, especialmente à universidade, tentando conjugar aspectos técnicos, políticos e de participação comunitária.
Planejamento estratégico: modernidade ou modernização?
Neste item, portanto, à guisa de colaboração, concentro minhas análises nos resultados das investigações que venho realizando, bem como nos .nortes para os quais eles apontam.
Peço licença para, a partir da minha prática cotidiana, trazer reflexões sobre planejamento e gestão, no contexto universitário.
Nos últimos dois anos, desenvolvi uma pesquisa intitulada Planejamento Universitário: requisito da modernidade ou instrumento de modernização da universidade brasileira? Nesta pesquisa, procurei buscar respostas para os “ágoras” do Planejamento, em especial, na sua utilização nos meios universitários, como manifestação da racionalidade instrumental.
A partir de um olhar histórico busquei os fundamentos para análise da realidade contemporânea da universidade brasileira.
Tal análise contou com a manifestação dos dirigentes máximos das instituições universitárias, e mais do que apontar para conclusões, trouxe outras tantas indagações.
Por que, com o mundo em mudança, a idéia de universidade em crise, as administrações universitárias, ainda se preocupam em procurar respostas técnicas para questões políticas, como a da modernização das universidades? É preciso refletir com
Habermas que estamos terminando o século XX em uma situação preocupante e tal preocupação deve-se aos efeitos do que batizamos de globalização. (Habermas, 1995, p. 87-101).
Referindo-se a esta questão e analisando os reflexos das transformações ocorridas na economia mundial e os conseqüentes desafios que são estabelecidos para as universidades, o professor
Paul Singer chama a atenção especial para dois deles: a crise das especialidades tradicionais e a rápida expansão da demanda por profissionais cultos, dotados de conhecimentos gerais e por isso mesmo flexíveis com capacidade de assumir diferentes funções e, sobretudo, de enfrentar soluções e problemas inéditos. (Singer, 1996, p. 23).
Se forem considerados apenas esses dois desafios, seremos forçados a admitir que ambos são suficientes para causar uma revolução no entendimento do que é qualidade acadêmica, com as necessidades imediatas de adoção de novos paradigmas para o currículo, o processo de ensino/aprendizagem e a avaliação intra e extra-sala de aula.
Tudo isto baseado na tão simples, quanto complexa, aceitação de que o conhecimento especializado pode, com muita facilidade, ser colocado no cérebro de um computador e ser acessado por pessoas não-versadas num campo estreito de atuação, mas com cultura ampla para mover-se, por muitos deles.
Está a universidade brasileira estruturalmente organizada para enfrentar esse desafio? Há consenso na comunidade universitária de que é preciso, no sentido mais radical do termo, mudar?
A crise do Estado, as freqüentes ameaças às universidades, em especial as públicas e gratuitas, isto é, mantidas pelo poder público, a ameaça de autonomia plena, têm levado a debates efetivos e à conscientização da comunidade universitária, concernente à idéia de uma universidade que possa fazer frente a esses desafios?
O sentimento que tenho, vivendo o cotidiano da vida universitária e refletindo sobre as análises realizadas nesta pesquisa, é o de que, não obstante os ingentes esforços, a tão freqüente quanto intensa luta dos dirigentes para contornar a atual, e sempre presente, crise da insuficiência de recursos financeiros, parece que continuamos caminhando em círculos. Não fazemos mais e melhor, porque as reformas preconizadas pelo governo federal nos estrangulam com a escassez de recursos financeiros, humanos e materiais, com mudanças repentinas nas regras do jogo, como a perda da filantropia pelas universidades comunitárias. Mas, se os tivéssemos em quantidade suficiente, teríamos clareza sobre a sua aplicação, em uma nova universidade?
O esgotamento do modelo híbrido de universidade, desenhado após 1968, incorporando traços do modelo norte-americano à base da tradicional concepção européia, está a apontar que a diversidade de regiões do País reclama novos modelos de universidade a serem construídos.
No entanto, apesar da consciência de que se pratica um modelo de universidade que não mais atende às necessidades, é em torno dele que concentramos nossas análises e elaboramos nossas propostas, de tal sorte que hoje uma parte considerável da comunidade universitária (...) participa de debates, defende autonomia, sem entender corretamente a sua razão, o seu significado, a sua forma de ser exercida. (Buarque, 1986, p. 44). Isto porque não está claro para eles: autonomia para quem, para qual universidade, enfim: uma autonomia sem conteúdo. Legal, estrutural, organizacional, mas sem conteúdo.
Neste sentido, mais do que necessário, é fundamental que a universidade repense a sua missão buscando seu novo papel na nova economia e na sociedade em gestação. Neste papel, segundo ainda o professor Singer, devem caber tanto a produção de serviços para as empresas, como para os governos e para o público em geral e a discussão dos rumos alternativos que se abrem à evolução social e econômica. Se as mudanças propostas pelo governo federal e pelas entidades financiadoras podem piorar uma situação que em si é indefensável, a tática de meramente se opor a estas propostas não basta.
O pensamento progressista não deve sucumbir a uma aliança com os interesses constituídos, contrários a qualquer mudança. A globalização, a reforma do Estado e a crise universitária exigem mais do que um mero não. Elas exigem respostas criativas (Singer, 1996, p. 26).
É neste quadro referencial que se deve pensar o planejamento universitário, ou estratégico, para ser fiel à forma como ele chegou às universidades.
Como ser criativo, estabelecendo a missão, os objetivos e as metas para a universidade, sem ter clareza da idéia que conforma, neste final de século, essa complexa e tão importante instituição?
Como solicitar da comunidade de dirigentes que estabeleça as suas prioridades, perante a escassez de recursos financeiros, a partir de planilhas padronizadas, que nada mais são do que tentativa de fazer com que a realidade caiba no modelo?
Como desburocratizar, agilizar procedimentos, (re)organizar, atender às necessidades de infra-estrutura, enfim, racionalizar, com a aplicação de instrumentais que reproduzem, na prática, camisas de força que mais do que auxiliar, engessam a gestão?
Como auxiliar a universidade a desenvolver processos participativos e legítimos de envolvimento da comunidade na busca de objetivos que dêem voz e rosto aos que constroem as ações e, portanto, devem planejá-las?
Embora, com algumas diferenças em relação ao planejamento tradicional, o planejamento estratégico vem se constituindo elemento presente em todas as administrações universitárias, na busca da melhoria da qualidade da gestão. Porém, os equívocos que envolvem a sua concepção, a ausência de cuidados no tocante à indispensável adaptação às especificidades da instituição universitária, que não é uma empresa, mas sim uma organização de caráter público, pois todas elas sem distinção foram criadas para servir ao público, a certeza de que ele reproduz na prática uma manifestação da racionalidade instrumental, colocam-no como elemento de modernização sim, como o são a compra de equipamentos sofisticados, a instalação de laboratórios de última geração, mas não parceiro da Universidade na sua busca de modernidade.
Como um elemento da tecnoburocracia, o planejamento tem exercido o poder de sedução que leva dirigentes universitários esclarecidos e combativos a dedicar parte de seu precioso tempo a longos e inócuos exercícios de tecnocracia explícita quando seus esforços poderiam convergir para .a aventura de criar novos pensamentos e usá-los na busca de um mundo novo, uma universidade nova, capaz de planejar a sua própria utopia de modernidade, com democracia interna, participação, representatividade e legitimidade.
Sem isso, o planejamento universitário continuará a ser um mero exercício de análise de cenários, previsão de tendências, formulação de missões, etc., sem rever os fins e o papel da instituição (aliás, uma das suas exigências) e, portanto, sem ser o parceiro da universidade nas aventuras de um pensamento que a faz moderna e vivendo uma era de modernidade.
Referências bibliográficas
BRASIL. Presidência da República. I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República . I PND/NR 1986-1989. Brasília, 1986.
BUARQUE, C. Uma idéia de universidade. Brasília : Ed. UnB, 1986.
CARR, Eduard H. Que é história? Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1976.
CROCE, Benedetto. Teoria e storia della storiografia. Bari : Laterza, 1920.
Em Aberto, Brasília, v. 17, n. 72, p. 141-145, fev./jun. 2000.
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